domingo, setembro 21, 2008

livro-me do desassossego



Não é segredo para ninguém que o Onésimo Teotónio Almeida é mestre consumado na arte de cronicar. A sua escrita ágil, irónica, fogosa, atravessada por centelhas de génio, é da melhor literatura que Portugal produz.
Sempre numa roda viva, pé-cá pé-lá, sobre o seu rio Atlântico, o Onésimo, de quando em vez escreve-me rápidos e-mails, troca dois dedos de conversa, pergunta-me se já me enviou este ou aquele livro. E, para minha grande alegria, passados dias, lá encontro na caixa do correio mais uma obra, sempre com uma dedicatória cheia de carinho que me deixa deslumbrado e enternecido. Desta vez escreveu esta pérola: “Para o Manuel Carvalho, vizinho e companheiro de jornada nesta experiência norte-americana salpicada de pátria.” Estes salpicos de pátria são de arrepiar qualquer um.
Melhor apetrechados do que eu para o desempenho desse ofício, deixo aos críticos literários a tarefa de lhe dissecarem a obra, autêntico monumento erguido, com cuidados de ourives da palavra, à vivência multicultural. Para mim, para além de todas as qualidades literárias e acima de todas as outras definições, a obra do Onésimo será sempre, nem sei bem por quê, coisas da infância, creio, um farto e interminável trigal dourado, salpicado de rubras papoilas. O trigal é a prosa densa, profunda, inquieta, questionadora. As papoilas são a brejeirice, o humor vivificante, as piadas sempre bem colocadas e repletas de inteligência.
Como ainda cheira a férias e a época não é propícia para grandes elucubrações, para vosso regalo e inebriamento dos sentidos, aqui vos deixo um colorido ramalhete de papoilas colhidas, avulsamente, na obra “livro-me do desassossego (Temas e Debates-2006)”.

“(...)Salazar, num famoso discurso de 1965, confessava-se, no fundo, um rural e acrescentava que, se pudesse escolher, seria um agricultor.
(...) Ao ouvir Salazar na sua confissão pró-agrária, um português descontente exclamara: Então, põe-te a cavar.”

“(...) vem a propósito lembrar a magnífica descoberta daquele outro sociólogo segundo quem a verdadeira causa do divórcio é o casamento.”

“(...)ali pelos arredores de Vila Real, uma noiva casara-se na virgindade tradicional e obrigatória. Na noite de núpcias cumpriu respeitosamente o matrimónio obedecendo aos desejos e comandos do marido. De manhã, na casa de banho, aconteceu dar de repente com ele nu, e não conteve a interrogação:
- Mas isso gasta-se assim tanto?”


“(...)Conto aos meus comensais a do outro que estava em casa da amante. Toca o telefone. É o marido. E ela, entre a garganta e o descrédito, a querer despachar a conversa:
-Hum-hum, hum-hum...Sim, sim...Hum-hum...
Depois o amante intrigado:
- Quem era?
- O meu marido.
- Que queria?
- Era só para dizer que hoje vai chegar tarde a casa...está no bar...a jogar bilhar...contigo.

“(...)Lembro-me bem dos anos de Trudeau constante notícia da primeira página. (...)Não esqueço uma tirada definidora do seu espírito:
O líder da Oposição atacara-o no Parlamento, em Ottawa, acusando-o de esbanjar o erário público na construção de uma piscina na sua residência particular. Trudeau foi ao pódio e, com suprema calma, explicou que sim, era verdade estar a piscina a ser feita. Mas acharia o líder da Oposição ser isso para benefício dele, Primeiro-Ministro? Não tinha ele a experiência do que acontece quando se fazem festas em casa? Que anfitrião desfruta do tempo livre? Em sua casa, onde é continua a roda-viva de visitantes, não lhe resta nenhum tempo paara nada. A piscina, essa gozá-la-iam naturalmente os visitantes mais do que ele. E em golpe final:
- Além disso, toda a gente sabe como a minha casa esteve e está sempre aberta a toda a gente, especialmente aos canadianos. Serão todos bem-vindos a dar um mergulho na piscina. Especialmente o senhor líder da Oposição. De preferência antes de a encherem.”

Sem comentários: