domingo, novembro 09, 2008

Elogio da mestiçagem


Todos os povos são mestiços. Todas as culturas são mestiças. Todas as línguas são mestiças. Todos nós somos mestiços.
Basta percorrer, de olhos abertos, as páginas da História para nos apercebermos da realidade, cada vez mais evidente, deste imenso e fascinante laboratório de mestiçagem que sempre foi a Terra.
É talvez por isso que a eleição de Borack Obama como presidente dos EUA está a despertar tanta emoção. Subitamente, Obama transformou-se aos olhos de toda a humanidade no símbolo do homem novo num mundo novo.
Será ele, encarnação de tanta mestiçagem, o passo por acontecer do poeta e escritor luso-moçambicano Mia Couto?

POEMA MESTIÇO

Escrevo Mediterrâneo
na serena voz do Índico
Sangro norte
em coração do sul


Na praia do oriente
sou areia náufraga
de nenhum mundo


Hei-de começar
mais tarde

Por ora
sou a pegada
do passo por acontecer

Tal como o sonhou o poeta moçambicano José Craveirinha, será Obama o maestro capaz de encontrar o ritmo certo para que as palavras, que afluem à boca dos homens pelos mais diversos caminhos, se tornem todas irmãs?

A Fraternidade das palavras


O céu
É uma m´benga
Onde todos os braços das mamanas
Repisam os bagos de estrelas.

Amigos:
As palavras mesmo estranhas
Se têm música verdadeira
só precisam de quem as toque
ao mesmo ritmo
para serem todas irmãs.


E eis que num espasmo
De harmonia como todas as coisas
Palavras rongas e algarvias ganguissam
Neste satanhoco papel
E recombinam o poema.

m´benga - pote de barro
mamanas - mulheres
ronga – dialecto mais meridional do grupo linguístico banto tsonga. É falado numa pequena área que inclui a cidade do Maputo
gangussam – namoram
satanhoco – uma coisa que não presta

Terá chegado a hora de os homens poderem, orgulhosamente, assumir a sua verdadeira identidade, cidadãos da mesma pátria, a Terra, sem, contudo, excluir ou renegar as suas múltiplas e preciosas pertenças particulares?
Terá chegado a hora de dar alma ao poema de Miguel Torga dentro em breve eternizado no granito dum banco no boulevard Saint-Laurent, a nossa Main ?

Ter um destino é não caber no berço
onde o corpo nasceu,
é transpor as fronteiras uma a uma
e morrer sem nenhuma