sábado, dezembro 19, 2009

Os milagres ainda existem


Sábado de Agosto em Portugal. Corria uma bela noite de verão. Quente, sem ponta de vento, convidativa a olhar o mundo com os olhos do coração.
Como acontecia frequentemente, eu e a minha mulher decidimos meter-nos no carro e ir até Fátima. Ela porque adora rezar o terço na Capelinha das Aparições e assistir à procissão das velas. Eu porque gosto de respirar a paz daquele mundo de recolhimento e meditação.
Pelo caminho, no pequeno trajecto de cerca de quinze minutos, movido por forças insondáveis, a meio da conversa, evoquei as noites de verão da minha infância distante. Era então um deslumbramento olhar o céu recamado de estrelas, identificar as constelações , a Ursa Maior, a Ursa Menor, até encontrar a Estrela Polar, a estrela da minha predilecção. Lá estava ela sempre presente, luminosa, fiel companheira de navegantes, exploradores e poetas, a indicar o caminho da salvação, dos sonhos e até mesmo da liberdade.
A sua beleza e simbolismo foram cantados, desde sempre, por poetas e trovadores, em rimas de encanto rutilante:

“Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.”

(António Gedeão)


Eu vi a Estrela Polar
Chorando em cima do mar
Eu vi a Estrela Polar
Nas costas de Portugal

(Viniciu de Moraes)

Era em tudo isso que eu pensava, com um travo amargo de melancolia na garganta enquanto olhava o céu coberto pelo espesso manto da poluição tecido pela ambição desmedida dos homens atacados pela epidemia dum consumismo desbragado.
Chegados a Fátima, a minha mulher dirigiu-se para a capelinha enquanto eu
fui tomar um café numa das acolhedoras esplanadas repletas de turistas que desfrutavam regaladamenteo conforto da noite. Retemperado, dirigia-me para o encontro marcado junto ao local das promessas, onde, como sempre, ardia a fé de milhares de velas, quando um inesperado apagão deixou o Santuário mergulhado na mais profunda escuridão.
Surpreendido, ergui os olhos e, num deslumbramento, extasiei-me com um inesperado céu coalhado de estrelas, onde não faltava a bela Estrela Polar da minha infância que me sorria fraternalmente e me sussurrava ao ouvido que o milagre acontecera mais uma vez na solidão daqueles ermos.
É imbuido deste espírito repleto de esperança num amanhã melhor que me chegam as notícias do fracasso da Cimeira de Copenhaga. Os dirigentes políticos mundiais, amordaçados por interesses inconciliáveis e inconfessados, falharam mais uma vez nos seus propósitos de estabelecer regras e uma conduta mais exemplar que salve o mundo da destruição.
Como sempre nas encruzilhas do futuro da humanidade, caberá agora aos simples cidadãos, no seu labutar quotidiano, a missão de empunhar o facho da esperança num mundo diferente. Um mundo mais fraterno, guiado pelo amor, avesso a um materialismo insaciável destruidor da alma humana, capaz de reatar os laços com as nascentes mais puras e primordiais da vida.
Impossível? Talves não, os milagres ainda existem. Principalmente nesta época do ano em que as pessoas estão mais propensas para o pão do espírito.

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